quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Que venha 2010!!!

É mais um ano que acaba e outro se inicia, é sempre um momento de reflexão. Achei um texto incrível, que mesmo sendo de alguns anos atrás é muito atual! Vale a pena ser lido! Um 2010 abençoado por Deus pra todos!

O vício de Deus De Dad Squarisi

Jano tinha duas caras. Uma olhava pra trás. Despedia-se do passado. A outra mirava pra frente. Desvendava o futuro. Graças ao poder de desvendar o porvir, deu o nome ao primeiro mês do ano. (Janeiro se chama janeiro em homenagem a Jano). Ao entrar no novo tempo, trancava a porta que ficou pra trás. Tradução: enterrava os cadáveres.
Cadáver cheira mal. Por isso dá-se um destino a ele. Alguns o enterram. Devolvem à terra o que dela saiu. Outros o cremam. Transformam em pó o que veio do pó. Alguns ainda o entregam a piranhas, leões ou cães. Acreditam passar a outros animais a energia que manteve criativa a pessoa em vida. Uns e outros, por caminhos diferentes, livram-se do que passou. Abrem alas para o novo se manifestar.
Os psicólogos dão ao cadáver significado simbólico. “Cadáver”, dizem eles, “não é só o corpo morto. È tudo que deve ser deixado pra trás.” O emprego que se perdeu, o prestígio que passou, a fortuna que parou em outras mãos, o amigo que traiu, o filho que decepcionou, a beleza que feneceu. Tudo foi bom. Ou não. Mas já era. É hora de deixá-los pra lá. Partir pra outra. Não é fácil, claro. Constitui desafio diário – exercício de faxina.
O ano-novo está aí pra isso. Ano após ano a chance se renova. A virada do calendário propicia a oportunidade de abrir espaços – externos e internos. Livrar-se da roupa, do sapato, da louça ou da panela que entulham o armário, há muito intocados. Passar pra frente os livros que sobram na estante. Uns porque já foram lidos: outros porque jamais serão lidos. Por uma razão ou outra, não nos servem mais. Dar adeus a enlatados e ensacados que ocupam a dispensa ou se perdem nas geleiras do freezer.
Mais que abrir espaço em armários, dispensas e freezers, o ano-novo convida ao alargamento do espaço interior. Sugere abrir as portas do desapego. Para chegar lá, deve-se dar um passo. É o perdão. Deixar raivas, rancores e ressentimentos pra trás. São cadáveres que pedem sepultura. Já imaginou o espaço que mágoas e ódios ocupam no coração? Administrá-los dá trabalho. Gasta energia e humor. Pra quê? Pra nada. Eles não deixam disponibilidade para fazer outras coisas.
Quem paga o pato? Nós, claro. O preço é alto. Ora a saúde, ora o humor, ora o bem-estar. Nenhum inimigo vale tanto. Perdoá-lo é bom negócio. Alivia. Deus sabe disso. O perdão é o único vício do Senhor. O ano-novo dá oportunidade de sermos deus. Sejamos.

Texto publicado no Correio Braziliense em 2 de janeiro de 2005 (domingo).

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...